sexta-feira, 28 de março de 2008

Coisas que só acontecem na minha família

Minha vó foi para o hospital. Soube que uma úlcera perfurou e aí saquei que já era. Ledo engano: devia parar de ler literatura da década de 50 para me atualizar quanto a probleminhas de saúde que levam os outros para o beleléu.

Ela foi medicada, cauterizaram a ferida no estômago e depois passou três dias em observação. Assim como crianças, idosos exigem acompanhante em tempo integral, houve um revezamento de familiares. Minto: ela é de outra época e sente uma vergonha inominável de que outras pessoas vejam as vergonhas dela, principalmente da família. Jamais permitiria que filhas ou netas ou sobrinhas trocassem um fraldão. Aliás, jamais permitiria que lhe colocassem um fraldão. Mas como não estava em condições de fazer suas vontades, deixamos que alguém que não fosse da família passasse a primeira noite com ela. Assim, não é da família porque não é do sangue, mas trabalha com minha mãe há um bom tempo.

Na primeira noite, enquanto a acompanhante cochilou, a velhota arrancou o soro e saiu. Foi resgatada na rampa. Na segunda noite, minha tia saiu do banheiro a tempo de pegar nosso maracujazinho na porta do quarto.
E o tempo todo murmurava:
- E a Trude, aquela boba. Me colocou aqui para roubar o Paulo de mim.
Pára tudo: quem é Trude e quem é Paulo?


Trude é minha mãe, na verdade Valtrudes. Val para o mundo, Trude para a família. Paulo é meu pai.

Seria uma mãe com ciúmes da nora?

Não. Paulo é o genro. Minha vó Adélia, mãe de minha mãe, foi morar com meus pais há um bom tempo. 10 anos? Mais? Não lembro.
Desde então é ela quem cuida de meu pai. Ele já passou por maus bocados em hospitais, o último há sete anos, quando sofreu um derrame. Desde então ele está um pouco mais velho do que deveria aparentar, um pouco mais lento e com algumas dificuldades motoras. Mas continua com velhos hábitos: acordar 5h da manhã, tomar café, sair, voltar para outro café às 9h, almoçar meio-dia em ponto, tomar outro café às 15h, e outro café às 18h, jantar às 20h e dormir no máximo às 21h. E quem cuida dessas regras todas? Sim, minha vó.

Minha mãe, se alguém tiver a boa vontade e permitir, acorda às 7h, 8h. Foi o que aconteceu no segundo dia em que minha vó estava no hospital. E onde estava meu pai? Descobriu cinco minutos depois, quando ele chegou carregado em casa. Resolveu ir comprar pão - já que minha vó não estava em casa para fazer pão caseiro - numa distância que vai bem uns três quilômetros. Caiu e os vizinhos recolheram. Ele tem saudade da velhinha.

A Vó voltou pra casa ontem, no final da tarde.
- Chegou, fuçou todo o guarda-roupa pra ver se não tinham tirado nada, deitou na cama dela e está dormindo um sono profundo, disse minha mãe.

Acho que ela também tinha saudade de casa, da casa da minha mãe que já é dela - aliás, minha mãe construiu uma casa nova depois que meu pai teve o derrame, uma casa térrea em que meu pai e minha vó se locomovessem com segurança.
Disso tudo só posso dizer que minha mãe que se cuide ou acaba aparecendo no Fantástico. A manchete?

"Mulher é abandonada pelo marido: ele deixou ela e fugiu com a sogra, de 93 anos"

3 comentários:

  1. Tua mãe pode aparecer no Fantástico mas por motivos bem mais nobres.
    Aliás, já deveria!
    Dona Val é uma coisa, uma coisa!
    :-)

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  2. ahahahahahaa, que bonitinha que é a sua avó!

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  3. que família mais rodriguiana, ehehe

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Pode escrever aí sem nem pensar, tá tudo liberado.