quarta-feira, 26 de novembro de 2008

As formigas e a chuva

Você certamente já foi criança e, naquela época, destruiu algum formigueiro. Era curiosidade e não maldade, eu sei. Jogar uma pedrinha e ver várias formiguinhas muito mais rápidas do que o normal saírem dali, fuçando o que tinha acontecido. Não importava quantas pedras jogasse, mais cedo ou mais tarde, incansáveis, elas reconstruíram.

Em 1983 eu tinha seis anos de idade e ficava muito impressionada por ver Gaspar no Jornal Nacional. Na minha escola em Joinville eu era a única que conhecia aquela cidade, onde minha mãe nasceu. Onde os irmãos, primos, tios, a mãe da minha mãe ainda moravam. Onde todos eles estavam deixando suas casas para ir para não sei onde - e eu não sei mesmo, não tinha noção naquela época. Meses depois de outubro, quando fomos visitar a cidade, havia as marcas da enchente na parede.

Tal qual as formiguinhas, eles reconstruíram Gaspar, reconstruíram Blumenau e devem ter reconstruído mais alguma cidade que deve ter ficado embaixo d'água e eu não me recordo. Brusque? Itajaí? Ilhota?

Quantas vezes você ouviu falar do Baú? Pois é, o irmão da minha mãe se mudou para lá quando não tinha nada. Nem a BR-470. Para chegar lá, tinha que ir pela Jorge Lacerda, pegar uma balsa e andar muitos quilômetros em estrada de barro. Eu estava junto quando minha irmã foi entregar o convite de casamento à bordo de um fusquinha branco. Chovia e ele chegou marrom. Mesmo.

Todos brigaram com esse meu tio. A filha mais velha tinha oito anos. A mais nova, meses. Depois das cinco meninas ainda nasceu mais um menino, lá no meio do fim do mundo. Pois adivinhe, esse meu tio "enricou" à custa de muito trabalho braçal, arroz e bananas. A casa dele, de alvenaria, tinha uma cozinha enorme, para receber não só os seis filhos, genros e noras e netos mas quem mais chegasse. Nos fundos, um mundão sem fim de arrozal para tomar banho no verão. E um galpão com trator para brincar. E um morro de pasto na frente, para descer com folha de palmeira. Eu espero que esse morro continue lá.

Família grande é assim mesmo. Quando a chuva começou, me preocupei com meus irmãos em Joinville. Depois com minha mãe em São Francisco do Sul. Depois com meus tios em Gaspar. Depois com meu tio em Ilhota. E nesse meio tempo ainda sobrava pensamentos para a família do meu pais, distribuída em Joinville, Jaraguá do Sul, Piçarras e Itajaí. Dizem que mesmo os incomunicáveis estão bem e, até provarem o contrário, eu acredito.

Agora eu me preocupo com todos. Já tenho achado 1983 longe demais, leve demais. Já não agüento mais atualizar manchetes com novos mortos e desabrigados. Já não suporto ouvir a chuva. Já não consigo ver TV nem rádio sem chorar. Nem fotos como essa, do Baú, tirada pelo Guto Kuerten e que eu surrupiei dessa matéira do DC Online. Acho que meio que para ficar mais leve jutei tudo que tinha em casa - sapatos, roupas, roupa de cama, edredons, colchonetes  - e mandei para a Defesa Civil. 

As formigas vão precisar disso tudo para recomeçar.



quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Blogs e amigos

Se tem uma coisa que eu me amarro, é blog diarinho. Sou uma voyeur compulsiva nesse sentido. Leio, claro, os blogs dos amigos - exceto os de poesia, não me odeiem, não é nada pessoal. Dou risadas, vejo fotos, leio histórias e, na maior parte das vezes, não comento.

Mas leio também blogs de desconhecidos. E, quando gosto do estilo, das histórias, das alegrias, das tristezas, viro habitué. É terrível. Eu conheço o que aquela pessoa mostra que é, eu sei de suas mágoas, compartilho suas angústias, vibro por suas alegrias e... não faço a mínima idéia de quem é realmente. É quase como ler o Diário de Anne Frank, só que em tempo real e sem saber que o final não é feliz. Quando um desses blogs some, eu sinto que perdi um amigo.

Uma amizade unilateral, já que também nunca comento, como fosse um amor platônico.

Isso deve ser doença, não? Ou pura carência?

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Parou!!!

Acordei com um silêncio absurdo em casa. Para acabar com ele, acordei os dois monstrinhos. Mesmo assim, silêncio. Muito silêncio.
Me arrumei com silêncio.
Gritei para colocarem os uniformes com silêncio.
Ouvi algazarra no quarto com silêncio.
Coloquei água para ferver com silêncio.
Só quando olhei para as bananeiras no jardim que me dei conta: a chuva tinha parado.
Estou com um sorriso inexplicável na cara.

E ontem o Deco deu uma explicação para essa chuva toda:
- Mãe, chove quando Deus chora. As gotinhas são as lágrimas dele.
- Poxa, Deco, então Deus tá mal, hein? Chorando desse jeito...
- Ele deve estar muito triste com as coisas erradas que andam fazendo por aí, mãe. Estão degradando a terra. Ele também deve saber que o Dário construiu um shopping no mangue, em cima das casas dos caranguejos.
- ....

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ana e as baratas

Chove há semanas em Florianópolis e isso me baixou o astral e me jogou em tal torpor que eu me sentia como se estivesse em Joinville em 94. Não, 94 não foi um bom ano. Minha casa e meu carro são um espelho do que eu deixei acontecer na minha vida. Bagunça e sujeira. Bagunça na casa e sujeira no carro, melhor frisar essa parte. Mas sempre tem algo que me tira do torpor. Dessa vez foram baratas.

Cheguei em casa domingo à noite, após um final de semana extremamente cansativo e encontrei elas já na entrada, olhando para mim. Vendo que não tinha veneno por perto, demoraram para engendrar uma fuga. O que elas não sabiam é que eu com um chinelo na mão eu sou muito mais mortal que qualquer frasco de Baygon.

Antes de dormir avaliei meu ostracismo, minha decisão de ficar no esquema casa-trabalho-casa, de deixar várias coisas para depois, de estar sempre exausta - física e mentalmente - demais para qualquer coisa, qualquer palavra, qualquer programa. Foi o que bastou para retomar minha vidinha de sempre, a começar pela caixa de gordura, agora devidamente limpa e dedetizada. Os próximos passos serão o carro e o jardim.

E logo minha casa estará aberta às visitas, como eu sempre gostei, como sempre me fez bem.