domingo, 8 de novembro de 2009

Malèna de São Bernardo

Quando li a história Polanskis do ABC no blog Trabalho Sujo e vi o vídeo sobre a "puta da Uniban" (já removido do YouTube pelo usuário) lembrei na hora de Malèna, de Giuseppe Tornatore, filmado em 2000.



Já faz tempo que vi o filme, mais de cinco anos ao menos. Malèna, a incrivelmente bela Monica Bellucci, é moradora de uma pequena cidade italiana. O ano é 1940 e a Itália entra na II Guerra. Logo, Malèna, belíssima a ponto de ser invejada pelas outras mulheres da cidade, fica sozinha após seu marido ser enviado para a frente de batalha. Digo inveja porque só ela explica uma carta anônima parar na casa do pai de Malèna dando conta de atividades sexuais imorais. O pai não a aceita mais e o primeiro desgosto é vê-lo morrer sem fazerem as pazes. Mas essa parte não lembra o episódio a Uniban, passemos a outro.

Um triste dia, Malèna recebe a notícia que seu marido morreu na Guerra. Órfã e viúva, ela terá que dar conta da vida sozinha em uma cidade muito pequena, no meio da guerra. Em pouco tempo descobre que as mulheres não a ajudarão e que os homens podem até fazer alguns favores, mas em troca de sexo.

Nessa parte do filme, falei: "como são nojentos os homens".

Com fome, ela sucumbe. E puta que é puta faz do ofício sua sobrevivência, certo? Então quando a cidade é tomada pela Alemanha ela continua a vender sexo a quem tem dinheiro, ou seja, aos nazistas. Mas conhecemos a História e sabemos que os alemães não ficarão lá para sempre. O que acontece quando eles saem e ela, ainda belíssima, fica, agora publicamente prostituta?

É apedrejada, chutada, espancada, tem as roupas estraçalhadas em uma das cenas mais moralmente violentas que já vi nas telas. Pelas mulheres. Nessa hora, ouvi de meu companheiro: "quem é nojento mesmo?".

Exceto pelos detalhes que levaram Malèna à prostituição de fato, acho que até agora descrevi bem o que se leu na primeira notícia sobre a aluna que foi hostilizada por usar minissaia. Naquela hora ainda sem nome, ainda sem rosto, era só uma aluna que foi com um vestido curto demais para o gosto de seus colegas e saiu escoltada pela polícia aos gritos de homens e mulheres após ameaças de estupro. Desde então há uma coleção de infâmias: a polícia dizendo que a roupa era insinuante demais, um programa vespertino discutindo se o comprimento de saia justificou ou não a hostilidade, a Uniban emitindo nota oficial falando que não houve ameaça de estupro uma vez que não houve contato físico. E hoje, a maior de todas, a que me fez escrever esse texto. A expulsão de Geisy Arruda da universidade.

No dia da ocorrência dos fatos a aluna fez um percurso maior que o habitual aumentando sua exposição e ensejando, de forma explícita, os apelos de alunos que se manifestavam em relação à sua postura chegando inclusive a posar para fotos”, diz o comunicado, em uma forma maior e mais prolixa de dizer a palavra "puta", unindo-se ao coro dos outros estudantes.



Expulsa. Tal como Malèna, após ser violentada duas vezes, uma pelos homens, outra pelas mulheres. A personagem italiana, ao menos, teve sua história contada sob a ótica carinhosa e romântica de um adolescente apaixonado, em um roteiro bem escrito e armado. Geisy ainda vê a sua infeliz paródia se desenrolar, sem nenhum poder para modificar uma linha, apagar um parágrafo ou amenizar algum enfoque. Nada de romantismo. Nada de carinho. Quando muito, conta com a perplexidade de alguns, como a do MEC e a da Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

Malèna, por fim, conseguiu voltar para a cidade, de cabeça erguida. Seu marido, afinal, não havia morrido e, ao chegar em casa e não encontrá-la, soube por uma carta do sempre apaixonado adolescente, do que houve. Ele foi buscá-la, protegê-la.

Já me perguntei algumas vezes se, caso Geisy tivesse um namorado na Uniban, alguém levantaria a voz para ela, apontaria o dedo e a chamaria de puta. Provavelmente falariam, sim, mas pelas costas. Ela seria a puta, ele seria o corno, mas o casal permaneceria lá, até a formatura.

Com essa questão respondida na minha cabeça, ainda não decidi o que é mais triste: uma mulher ser hostilizada pelas roupas "inadequadas" ou ela só conseguir levar a vida normalmente se tiver um macho a seu lado.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Jorge Amado e os partidos políticos

Trecho extraído de Navegação de Cabotagem, São Paulo, 1981 - esperança vã

"Em verdade não existem partidos políticos no Brasil com princípios e compromissos, existem frentes onde cabem todos os segmentos ideológicos, onde convivem direita e esquerda no vaivém dos interesses pessoais. Não são partidos, são siglas que se intitulam democráticas, trabalhistas, sociais-democráticas, liberais, socialistas, sem que tais denominações tenham a ver com tomada de posição, razão de luta ou de governo, uma desfaçatez. E ainda pretendem estabelecer o parlamentarismo. Parlamentarista que sou, tremo de medo. Parlamentarismo sem parditos, ah! esse parlamentarismo à brasileira vai ser uma grande bambochata."

Do Houaiss, bambochata:
substantivo feminino
1    gênero de pintura que representa festas populares e cenas rústicas ou burlescas
2    (1871)Derivação: por extensão de sentido.
     festa marcada por excessos; orgia, pândega, patuscada
3    Derivação: por extensão de sentido.
     aquilo que ultrapassa os limites do bom senso; extravagância, estroinice

Conto para espantar a insônia

(Não sou de dedicatórias, mas lembrei da Manola, claro, e seu trauma com dedões)

- Ai, tô há doze horas trabalhando...
- Ah, vá, é a despedida daquele sul-africano, o que passou o ano-novo com a gente.

Aceitou o convite para fazer o amigo gay feliz. Na tal despedida, no apartamento de alguém, era ela e mais quatro. Lembrou da amiga, que seria o mais macho da cozinha, e riu.

- Cerveja... - pediu, lânguida (se ainda usassem essa palavra), enrolando um cachinho imaginário no cabelo mais liso que de índia.

E vinha cerveja. E tocava música boa. E ouvia histórias divertidas. E alguém tentava traduzir tudo em um inglês meio tosco para o sul-africano, que apenas sorria abobado. Começou a relaxar e, com calor, tirou o scarpin 34, pés de fada.

- Ela pinta as unhas do pé de VERMELHOOOOOOOOOOO!!!

As bichas foram ao delírio, parecia que a própria Madonna tinha chegado à festa, naquela época sem sinal de Jesus. O dono da casa deu uma piscadinha. Ela pensou que não viu direito, mas ela sabia que sempre via direito. 

- Massagem... - tentou.

E três lhe atenderam. Um em um pé, outro no outro. Para o terceiro sobrou a mão, ele aceitou rindo. O dono da casa não. Esse apenas brincou, com um acento afeminado na frase e um olhar quase de desdém: eu chupava esse dedão com unha carmim...

Ela, olhar manhoso, arriscou: pode ser, mas o dedão é só o começo...

Todos riram, menos o sul-africano. Quando traduziram, riu amarelo, se é que se ri amarelo na África do Sul. A verdade é que ele era hóspede da casa desde o dia 2, no lugar de honra, na única cama da casa.

Mais cerveja, mais riso, mais música, dois se levantam, hora de ir embora. Ela se mexe em direção aos sapatos. "Fica", pede uma mão no pescoço.

- Sim...

Já no quarto, o dono da casa cumpre o prometido e começa pelo pé. O sul-africano começa um "i don´t like this... i don´t like this...". O anfitrião responde com uma pegada forte, tempero brasileiro, mas ainda com o pé dela em uma das mãos. "Do you like THIS?".

Com uma cara mais manhosa que a dela, responde.

- Yes...

No dia seguinte as amigas queriam saber da festinha de última hora.

- O sul-africano é um cara massa. Até aprendeu um português de última hora. Só ficava repetindo, várias vezes. "Não machuquem". O sotaque é engraçado, né?