Um triste dia, Malèna recebe a notícia que seu marido morreu na Guerra. Órfã e viúva, ela terá que dar conta da vida sozinha em uma cidade muito pequena, no meio da guerra. Em pouco tempo descobre que as mulheres não a ajudarão e que os homens podem até fazer alguns favores, mas em troca de sexo.
Com fome, ela sucumbe. E puta que é puta faz do ofício sua sobrevivência, certo? Então quando a cidade é tomada pela Alemanha ela continua a vender sexo a quem tem dinheiro, ou seja, aos nazistas. Mas conhecemos a História e sabemos que os alemães não ficarão lá para sempre. O que acontece quando eles saem e ela, ainda belíssima, fica, agora publicamente prostituta?
É apedrejada, chutada, espancada, tem as roupas estraçalhadas em uma das cenas mais moralmente violentas que já vi nas telas. Pelas mulheres. Nessa hora, ouvi de meu companheiro: "quem é nojento mesmo?".
Exceto pelos detalhes que levaram Malèna à prostituição de fato, acho que até agora descrevi bem o que se leu na primeira notícia sobre a aluna que foi hostilizada por usar minissaia. Naquela hora ainda sem nome, ainda sem rosto, era só uma aluna que foi com um vestido curto demais para o gosto de seus colegas e saiu escoltada pela polícia aos gritos de homens e mulheres após ameaças de estupro. Desde então há uma coleção de infâmias: a polícia dizendo que a roupa era insinuante demais, um programa vespertino discutindo se o comprimento de saia justificou ou não a hostilidade, a Uniban emitindo nota oficial falando que não houve ameaça de estupro uma vez que não houve contato físico. E hoje, a maior de todas, a que me fez escrever esse texto. A expulsão de Geisy Arruda da universidade.
“No dia da ocorrência dos fatos a aluna fez um percurso maior que o habitual aumentando sua exposição e ensejando, de forma explícita, os apelos de alunos que se manifestavam em relação à sua postura chegando inclusive a posar para fotos”, diz o comunicado, em uma forma maior e mais prolixa de dizer a palavra "puta", unindo-se ao coro dos outros estudantes.
Expulsa. Tal como Malèna, após ser violentada duas vezes, uma pelos homens, outra pelas mulheres. A personagem italiana, ao menos, teve sua história contada sob a ótica carinhosa e romântica de um adolescente apaixonado, em um roteiro bem escrito e armado. Geisy ainda vê a sua infeliz paródia se desenrolar, sem nenhum poder para modificar uma linha, apagar um parágrafo ou amenizar algum enfoque. Nada de romantismo. Nada de carinho. Quando muito, conta com a perplexidade de alguns, como a do MEC e a da Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Malèna, por fim, conseguiu voltar para a cidade, de cabeça erguida. Seu marido, afinal, não havia morrido e, ao chegar em casa e não encontrá-la, soube por uma carta do sempre apaixonado adolescente, do que houve. Ele foi buscá-la, protegê-la.
Já me perguntei algumas vezes se, caso Geisy tivesse um namorado na Uniban, alguém levantaria a voz para ela, apontaria o dedo e a chamaria de puta. Provavelmente falariam, sim, mas pelas costas. Ela seria a puta, ele seria o corno, mas o casal permaneceria lá, até a formatura.
Com essa questão respondida na minha cabeça, ainda não decidi o que é mais triste: uma mulher ser hostilizada pelas roupas "inadequadas" ou ela só conseguir levar a vida normalmente se tiver um macho a seu lado.